TABULEIROS DE RUSSAS: Perímetro tem obras paradas
As obras da segunda etapa do Perímetro Irrigado Tabuleiro de Russas estão paralisadas desde maio nos trechos que passam pelas comunidades de Junco, Lagoa dos Cavalos, Córrego do Salgado, Barbatão e Peixe. O motivo deve-se à resistência das famílias, que afirmam só sair do lugar quando receberem as indenizações do Dnocs e, principalmente, se houver consenso sobre a construção de casas e assentamentos.
Quando órgãos públicos decidiram, em 1964, implantar numa faixa de 20 mil de hectares de terra o que hoje se entende pelo Tabuleiros de Russas, milhares de famílias de oito comunidades de Russas, no Vale do Jaguaribe, começaram a discutir o que fazer para não saírem prejudicadas diante de pessoas desconhecidas dando destino às suas próprias terras. Formou-se um impasse que até hoje não foi resolvido: de um lado famílias de agricultores exigindo garantias de terras para morar e trabalhar, enquanto de outro o Dnocs querendo que essas famílias se incluam num modelo agrícola e deem lugar ao que, espera, seja o "maior projeto irrigado do Nordeste Setentrional".
O projeto de criação das duas etapas do Tabuleiros de Russas já esclarecia que as famílias encontradas na área de implantação do perímetro irrigado seriam indenizadas, desapropriadas e absorvidas pelo projeto irrigado, com fornecimento de água e assistência técnica para a atividade agrícola. Mas uma série de erros, alguns reconhecidos pelo próprio Dnocs, puseram em questionamento a viabilidade e a sustentabilidade das famílias reassentadas dentro do novo modelo agrícola.
Trocando em miúdos: por desinformação ou falha de projeto, o Departamento minimizou o nível de organização social e econômica das comunidades em regime de agroecologia e que, insatisfeitas com as propostas até agora, intervieram na execução da segunda etapa do projeto, obra do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) paralisada até hoje.
A realização de um levantamento topográfico e de cadastro social em terras de comunidades como Lagoa dos Cavalos deixou uma interrogação nos moradores: "estão medindo as terras para tirar a gente e ainda querendo informações nossas sem nem conversar direito?", resumiu Ozarina da Silva à reportagem, em 2008, ano em que se intensificaram os conflitos. Ela é uma das lideranças da comunidade de Lagoa dos Cavalos. O Dnocs começou a admitir que houve falha na metodologia e que até mesmo o cadastro deveria ser antecedido de um diálogo com as partes, que até hoje não têm consenso.
O Dnocs produziu documentos e avisou às comunidades que seriam desapropriadas, "com todos os direitos assegurados", mas as comunidades de Bananeiras, Junco, Lagoa dos Cavalos, Barbatão, Escondida, Córrego do Salgado e Peixe corrigem que antes deveriam ser perguntadas se elas gostariam de sair e, no caso da retirada, em que termos deve ser concebida essa saída.
Para o agricultor Francisco Paulo, da comunidade Peixe, as famílias estão precisando "protestar direto" para assegurar os direitos. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da 2ª Etapa do Projeto de Irrigação Tabuleiros de Russas, da Semace a pedido do Dnocs, anuncia-se uma população local "rarefeita" e que vive de uma "economia pouco significativa" devido à escassez de recursos hídricos, "não sendo tão afetada com a desapropriação".
O mesmo documento, de 2005, diz que "não foi constatada na área englobada pela pesquisa a formação de grupos sociais que através da organização comunitária procurem conseguir superar os obstáculos existentes melhorando assim a qualidade de vida".
Esta informação não foi constatada pela reportagem, descrita pelas famílias e confirmada pelo antropólogo Sérgio Brissac, a pedido da Procuradoria da República, e da bióloga Lara de Queiroz Viana Braga. Em anos de reuniões e protestos das famílias para permanecerem na terra, o Dnocs flexibilizou o projeto e cedeu em parte à resistência: lotes irrigados de oito hectares, equipamentos de irrigação e carência de cinco anos para pagamento da infraestrutura usada. As famílias pedem lotes de apenas quatro hectares, mais a preservação de suas atividades agroecológicas, longe de agrotóxicos, em que possam produzir de forma autônoma.
Fique por dentro
Agroecologia
Algumas mais desenvolvidas que outras, as comunidades agrícolas de Russas - o maior exemplo é a Lagoa dos Cavalos - desenvolvem modelo alternativo de convivência com o semiárido: a agroecologia. Em associações comunitárias, as famílias possuem casa de farinha, casa de mel orgânico, cultura agrossilvopastoril, irrigada por meio de barragem subterrânea, centenas de cisternas de placas para os períodos de seca, casa de sementes (alegam serem mais adaptadas ao solo local do que as fornecidas pelo Estado), além de escolas, quadras esportivas e outros ambientes sociais, como igreja, escola, biblioteca, cemitério, praça - que evidenciam as singularidades culturais de quem nasceu e se criou numa terra que, além de casas e vegetação, hospeda a história das famílias.
MAIS INFORMAÇÕES
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
Av. Duque de Caxias, Fortaleza
(85) 3391.5105
IMPASSE
Dnocs afirma que as indenizações serão pagas
Para resolver o impasse com as comunidades que ainda não saíram dos espaços por onde passa a obra, o Dnocs fez um plano de reassentamento, propondo hectares, equipamentos e assistência técnica, desde que as famílias passem por seleção, assim como é feito com os irrigantes que vão para o perímetro. As famílias discordam da proposta e reclamam da demora das indenizações que, de acordo com o Dnocs, serão feitas dentro do planejado.
Segundo Felipe Cordeiro, representante do Dnocs na articulação do Projeto, foi disponibilizada área de 573 hectares para agricultura orgânica dividido em três áreas próximas aos lotes habitacionais. O plano prevê barreira de proteção das áreas orgânicas por meio do plantio de árvores de médio porte, de modo a minimizar os efeitos da pulverização da agricultura tradicional. É a proposta mais próxima do que almejam as comunidades, mas outro impasse é que não foi considerado, para efeito de assentamento, um espaço para as gerações futuras, visto se tratarem de comunidades que, naturalmente, podem se expandir, na justificativa de que o trabalho que desenvolvem é ecologicamente sustentável.
O Perímetro Irrigado Tabuleiro de Russas tem previsão para constituir de 20 mil hectares (as duas etapas) e produzir, anualmente, até R$ 190 milhões, gerando milhares de empregos diretos e indiretos. A perspectiva é se tornar o maior agropolo entre Ceará e os Estados que fazem fronteira.
SOCIOAMBIENTAL
Pesquisadora avalia conflito
Enquanto se tenta destravar os litígios para implantação do projeto irrigado do agronegócio, comunidades defendem outro modelo agrícola que as afaste dos agrotóxicos e conserve os modos de vida rural, social e autônomo. Os impasses e conflitos entre as partes é objeto de estudo da bióloga e mestre em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lara de Queiroz Viana Braga. Há dois anos e meio, ela estuda o modo de vida e o conflito socioambiental em comunidades agrícolas na região dos tabuleiros de Russas, entre este Município e Limoeiro do Norte.
"Identificamos inicialmente o desenvolvimento de atividades na perspectiva agroecológica e, em seguida, fomos verificando o contexto do conflito socioambiental. Se a proposta do Tabuleiros de Russas é, assim como outros perímetros irrigados na região, trazer qualidade de vida, porque isso não está acontecendo? Então fomos estudar", afirma Lara, acrescentando que há uma comparação inevitável feita pelos próprios moradores das comunidades russanas com o que acontece em Limoeiro do Norte, onde se tem verificado forte concentração de terras e a contaminação por agrotóxicos.
A pesquisadora reúne uma série de levantamentos que identificam a causalidade da luta dos moradores, que não querem ser afetados pelo modo de produção que utiliza agrotóxicos e dá uma perspectiva empresarial para "pessoas que não estão visando lucro, mas qualidade de vida".
A passagem transversal das obras do perímetro irrigado por comunidades como Bananeiras, Junco, Lagoa dos Cavalos, Barbatão, Escondida, Córrego Salgado e Peixe, indenizando as famílias e transformando o lugar em polo agroeconômico fez os moradores se reunirem entre si e conquistarem o apoio de entidades como Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Russas, Diocese Católica de Limoeiro, Cáritas Diocesana, Fafidam, IFCE e UFC.
A pedido do procurador da República, Luiz Carlos Oliveira Júnior, o antropólogo Sérgio Brissac fez uma visita técnica e elaborou um relatório sobre o impacto socioambiental do Projeto nas comunidades. No documento, de 2009, o cientista social alegou "incapacidade do Projeto de oferecer alternativa viável aos moradores desapropriados". Isso porque a tentativa do Dnocs é incluir as comunidades no regime da Lei de Irrigação, e os moradores pretendem ser fixados nos moldes já realizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O projeto de criação das duas etapas do Tabuleiros de Russas já esclarecia que as famílias encontradas na área de implantação do perímetro irrigado seriam indenizadas, desapropriadas e absorvidas pelo projeto irrigado, com fornecimento de água e assistência técnica para a atividade agrícola. Mas uma série de erros, alguns reconhecidos pelo próprio Dnocs, puseram em questionamento a viabilidade e a sustentabilidade das famílias reassentadas dentro do novo modelo agrícola.
Trocando em miúdos: por desinformação ou falha de projeto, o Departamento minimizou o nível de organização social e econômica das comunidades em regime de agroecologia e que, insatisfeitas com as propostas até agora, intervieram na execução da segunda etapa do projeto, obra do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) paralisada até hoje.
A realização de um levantamento topográfico e de cadastro social em terras de comunidades como Lagoa dos Cavalos deixou uma interrogação nos moradores: "estão medindo as terras para tirar a gente e ainda querendo informações nossas sem nem conversar direito?", resumiu Ozarina da Silva à reportagem, em 2008, ano em que se intensificaram os conflitos. Ela é uma das lideranças da comunidade de Lagoa dos Cavalos. O Dnocs começou a admitir que houve falha na metodologia e que até mesmo o cadastro deveria ser antecedido de um diálogo com as partes, que até hoje não têm consenso.
O Dnocs produziu documentos e avisou às comunidades que seriam desapropriadas, "com todos os direitos assegurados", mas as comunidades de Bananeiras, Junco, Lagoa dos Cavalos, Barbatão, Escondida, Córrego do Salgado e Peixe corrigem que antes deveriam ser perguntadas se elas gostariam de sair e, no caso da retirada, em que termos deve ser concebida essa saída.
Para o agricultor Francisco Paulo, da comunidade Peixe, as famílias estão precisando "protestar direto" para assegurar os direitos. No Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da 2ª Etapa do Projeto de Irrigação Tabuleiros de Russas, da Semace a pedido do Dnocs, anuncia-se uma população local "rarefeita" e que vive de uma "economia pouco significativa" devido à escassez de recursos hídricos, "não sendo tão afetada com a desapropriação".
O mesmo documento, de 2005, diz que "não foi constatada na área englobada pela pesquisa a formação de grupos sociais que através da organização comunitária procurem conseguir superar os obstáculos existentes melhorando assim a qualidade de vida".
Esta informação não foi constatada pela reportagem, descrita pelas famílias e confirmada pelo antropólogo Sérgio Brissac, a pedido da Procuradoria da República, e da bióloga Lara de Queiroz Viana Braga. Em anos de reuniões e protestos das famílias para permanecerem na terra, o Dnocs flexibilizou o projeto e cedeu em parte à resistência: lotes irrigados de oito hectares, equipamentos de irrigação e carência de cinco anos para pagamento da infraestrutura usada. As famílias pedem lotes de apenas quatro hectares, mais a preservação de suas atividades agroecológicas, longe de agrotóxicos, em que possam produzir de forma autônoma.
Fique por dentro
Agroecologia
Algumas mais desenvolvidas que outras, as comunidades agrícolas de Russas - o maior exemplo é a Lagoa dos Cavalos - desenvolvem modelo alternativo de convivência com o semiárido: a agroecologia. Em associações comunitárias, as famílias possuem casa de farinha, casa de mel orgânico, cultura agrossilvopastoril, irrigada por meio de barragem subterrânea, centenas de cisternas de placas para os períodos de seca, casa de sementes (alegam serem mais adaptadas ao solo local do que as fornecidas pelo Estado), além de escolas, quadras esportivas e outros ambientes sociais, como igreja, escola, biblioteca, cemitério, praça - que evidenciam as singularidades culturais de quem nasceu e se criou numa terra que, além de casas e vegetação, hospeda a história das famílias.
MAIS INFORMAÇÕES
Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
Av. Duque de Caxias, Fortaleza
(85) 3391.5105
IMPASSE
Dnocs afirma que as indenizações serão pagas
Para resolver o impasse com as comunidades que ainda não saíram dos espaços por onde passa a obra, o Dnocs fez um plano de reassentamento, propondo hectares, equipamentos e assistência técnica, desde que as famílias passem por seleção, assim como é feito com os irrigantes que vão para o perímetro. As famílias discordam da proposta e reclamam da demora das indenizações que, de acordo com o Dnocs, serão feitas dentro do planejado.
Segundo Felipe Cordeiro, representante do Dnocs na articulação do Projeto, foi disponibilizada área de 573 hectares para agricultura orgânica dividido em três áreas próximas aos lotes habitacionais. O plano prevê barreira de proteção das áreas orgânicas por meio do plantio de árvores de médio porte, de modo a minimizar os efeitos da pulverização da agricultura tradicional. É a proposta mais próxima do que almejam as comunidades, mas outro impasse é que não foi considerado, para efeito de assentamento, um espaço para as gerações futuras, visto se tratarem de comunidades que, naturalmente, podem se expandir, na justificativa de que o trabalho que desenvolvem é ecologicamente sustentável.
O Perímetro Irrigado Tabuleiro de Russas tem previsão para constituir de 20 mil hectares (as duas etapas) e produzir, anualmente, até R$ 190 milhões, gerando milhares de empregos diretos e indiretos. A perspectiva é se tornar o maior agropolo entre Ceará e os Estados que fazem fronteira.
SOCIOAMBIENTAL
Pesquisadora avalia conflito
Enquanto se tenta destravar os litígios para implantação do projeto irrigado do agronegócio, comunidades defendem outro modelo agrícola que as afaste dos agrotóxicos e conserve os modos de vida rural, social e autônomo. Os impasses e conflitos entre as partes é objeto de estudo da bióloga e mestre em Saúde Pública da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lara de Queiroz Viana Braga. Há dois anos e meio, ela estuda o modo de vida e o conflito socioambiental em comunidades agrícolas na região dos tabuleiros de Russas, entre este Município e Limoeiro do Norte.
"Identificamos inicialmente o desenvolvimento de atividades na perspectiva agroecológica e, em seguida, fomos verificando o contexto do conflito socioambiental. Se a proposta do Tabuleiros de Russas é, assim como outros perímetros irrigados na região, trazer qualidade de vida, porque isso não está acontecendo? Então fomos estudar", afirma Lara, acrescentando que há uma comparação inevitável feita pelos próprios moradores das comunidades russanas com o que acontece em Limoeiro do Norte, onde se tem verificado forte concentração de terras e a contaminação por agrotóxicos.
A pesquisadora reúne uma série de levantamentos que identificam a causalidade da luta dos moradores, que não querem ser afetados pelo modo de produção que utiliza agrotóxicos e dá uma perspectiva empresarial para "pessoas que não estão visando lucro, mas qualidade de vida".
A passagem transversal das obras do perímetro irrigado por comunidades como Bananeiras, Junco, Lagoa dos Cavalos, Barbatão, Escondida, Córrego Salgado e Peixe, indenizando as famílias e transformando o lugar em polo agroeconômico fez os moradores se reunirem entre si e conquistarem o apoio de entidades como Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Russas, Diocese Católica de Limoeiro, Cáritas Diocesana, Fafidam, IFCE e UFC.
A pedido do procurador da República, Luiz Carlos Oliveira Júnior, o antropólogo Sérgio Brissac fez uma visita técnica e elaborou um relatório sobre o impacto socioambiental do Projeto nas comunidades. No documento, de 2009, o cientista social alegou "incapacidade do Projeto de oferecer alternativa viável aos moradores desapropriados". Isso porque a tentativa do Dnocs é incluir as comunidades no regime da Lei de Irrigação, e os moradores pretendem ser fixados nos moldes já realizados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Reportagem e foto Diário do Nordeste
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